Podemos dizer que um dos maiores medos do ser humano é o de enlouquecer, ou seja, perder o contato com a realidade. Diante desse medo, esquecemos que não temos como reconhecer nosso próprio diagnóstico de esquizofrenia ou psicose, pois ficamos totalmente envolvidos em nossas fantasias, que essas passam a ser o normal.
Um ótimo exemplo dessa patologia é o filme A ilha do medo, estreado em 2010 e dirigido por Martin Scorsesse, com a mistura de drama, mistério e suspense com o seguinte roteiro, baseado no livro de Dennis Lehane:
No ano de 1954, os agentes federais Teddy Daniels e Chuck Aule investigam o desaparecimento de uma interna do Hospital Psiquiátrico Ashecliffe. Ao viajarem para a ilha de Shutter – localizada em Massachusetts – para cuidar do caso, eles encontram uma rebelião de presos, devido a um furacão que se aproxima da ilha, e ficam impossibilitados de sair da ilha.
O filme parece contar a história da investigação do desaparecimento de uma interna de um hospital psiquiátrico, Rachel Soldano (Emily Mortimer) – uma jovem mãe que afogou os seus três filhos. Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) chega no hospital pela única forma de acesso, de balsa, uma vez que este fica no meio de um porto. A fuga é considerada, pelos profissionais do hospital, como impossível afinal o quarto onde ficava era constantemente monitorado, estava completamente intacto e a porta trancada por fora. O investigador, muito confiante, sabe que a qualquer momento irá encontrá-la, até porque não há como fugir daquele lugar com vida.
Para desvendar esse mistério Teddy Daniels conta com a ajuda de seu parceiro Chuck Aule (Mark Ruffalo), que parece ser a única pessoa a entender o investigador, uma vez que o diretor do hospital o Dr. Cawley (Ben Kingsley) e outros médicos e enfermeiros, não levam seu trabalho a sério. Existe também o Dr. Naehring (Max von Sydow), a quem Teddy suspeita ser um nazista que está praticando suas experiências na América – como lobotomia e uso de drogas radicais. A lobotomia foi desenvolvida a partir de 1935 e é uma intervenção cirúrgica no cérebro onde são seccionadas as vias que ligam os lobos frontais ao tálamo e outras vias frontais associadas, que foi utilizada no passado em casos graves de esquizofrenia, supostamente para silenciar os pacientes psiquiátricos, tão incômodos na época. A intervenção, muito perigosa, uma vez que cerca de 6% dos pacientes não sobreviam e um grande número ficavam com enormes alterações da personalidade, foi abandonada a partir da década de 50 com o surgimento dos primeiros medicamentos antipsicóticos.
O investigador, mostra ao longo do filme ser uma pessoa atormentada por uma constante dor de cabeça e também por algumas lembranças do tempo em que foi soldado na segunda guerra e de sua ex-mulher, muitas vezes acompanhadas por uma criança. Confuso com suas lembranças do passado Teddy Daniels, chega a encontrar Rachel Soldano escondida na ilha, mas a cada momento parece estar ser mais difícil distinguir o real do imaginário.
Com uma ótima intervenção o Dr.Cawley consegue fazer com que Teddy volte-se à realidade que tanto tenta esquecer, lembrando então que o verdadeiro motivo de estar naquele hospital é o de ter matado sua mulher após chegar em casa e encontrar seus três filhos mortos por ela, afogados em um lago.
Temos então um ótimo exemplo de como funciona a mente de um esquizofrênico, que por não suportar sua realidade muito difícil perde o contato com ela, criando uma realidade paralela e tornando-a “real”, afim de minimar seu terrível sofrimento psíquico e passando a acreditar nessa nova realidade.
Durante o filme, os médicos do hospital psiquiátrico deixam que Teddy viva sua fantasia de investigador para confrontar os pontos irreais com os reias e a partir daí conseguir manter o contato com sua realidade. Essa prática muito utilizada atualmente funciona com Teddy, que no poder de suas faculdades mentais escolhe, conscientemente, que prefere a lobotomia a viver com a realidade que tanto o perturba.
O filme nos faz pensar o quanto, para muitas pessoas, a realidade é tão difícil que se pudessem escolher optariam pela loucura.

Para saber mais sobre a esquizofrenia recomendo o livro Os anjos de Zabine: um ensaio psicoterapêutico, da autora Giuliana Bilbao, que por meio da história de uma jovem terapeuta que tem o desafio de compreender sua paciente Zabine, trás um olhar fenomenológico-existencial sobre o ser humano e mostra o tênue limite entre a sanidade e a loucura.