Ser bons pais talvez seja uma das maiores preocupações de um casal que resolve constituir uma família com filhos. Diante dessa preocupação logo veem os pensamentos: não vou agir de maneira tão rígida como meus pais, em tempos de extrema concorrência no mercado de trabalho meu filho terá como única obrigação estudar e ter somente nota 10 na escola, meu filho não sofrerá com o mundo, afinal seremos pais protetores e claro que não nos esqueceremos de elogiá-lo e aplaudi-lo em tudo que fizer.

Carlos* nasceu nessa família e desde cedo recebeu muitos aplausos e comemorações eufóricas por guardar seus brinquedos depois de usá-los, por se comportar bem na casa da vovó, ser educado com as pessoas e por apresentar notas 10, mas só quando era 10, uma vez que uma nota 9 era inadmissível para uma criança tão especial como ele.

E assim foi crescendo e mesmo quando sua atitude não era assim tão correta, seus pais acreditavam que deveriam apoia-lo, afinal uma crítica poderia contribuir para que Carlos não vencesse o mundo cruel que o esperava para engoli-lo sem dó nem piedade. Será que esse é o verdadeiro Bicho – Papão?

Pois bem, Carlos cresceu e agora aos 22 anos de idade e terminando a faculdade é hora de enfrentar o tão temido mercado de trabalho. Vamos sair em busca de um estágio. Tarefa fácil para ele que sempre teve boa conduta, frequentemente aplaudida e comemorada euforicamente pelos pais, acostumado a ter boas notas e que fala três línguas.

No primeiro dia de estágio Carlos sente que algo não está correto, afinal se comportou bem, realizou todas as tarefas solicitadas com atenção, rapidez e eficácia e não recebeu se quer um elogio. Apesar de isso lhe parecer estranho acredita que foi só o primeiro dia e que amanhã tudo será diferente. Acontece que o tempo vai passando e ele começa a perceber que é somente mais um no meio de tantos em busca de uma boa colocação e do seu espaço ao sol e, principalmente, que ter sucesso o tempo todo é praticamente impossível.

Algo inevitável começa a passar por sua cabeça: o que deu errado? Sempre fui o melhor aluno, o melhor filho, elogiado diariamente e várias vezes ao dia, no entanto hoje passo semanas sem que meu chefe me diga um simples “bom trabalho!”.

Passamos então da superproteção e supervalorização à frustração. Carlos sente-se frustrado por não continuar sendo o melhor e recebendo seu prêmio diário e consequentemente não entende sua inadequação diante do mundo. De repente se vê em uma prisão, afinal como ser livre se não se reconhece e não sabe como agir?

Nesse caso as crises de pânico e a depressão passaram a fazer parte da sua vida, sendo essas as melhores formas de adaptação que pôde encontrar.

Os pais de Carlos certamente pensavam estarem agindo corretamente, mas com a superproteção esqueceram-se de dar á ele responsabilidades relativas ao seu papel de filho, contribuindo para seu crescimento pessoal e não apenas profissional. Agora Carlos procura ajuda para se apropriar de sua vida, descobrir que o que precisava, quando criança, era de um obrigado diante de um gesto de gentileza e não de comemorações eufóricas. Entender que guardar seus brinquedos depois de usá-los era sua obrigação e parte do processo de formação do ser humano e não motivo para aplausos e principalmente que, às vezes, uma nota 7 pode valer muito mais que uma 10.

Sem conhecer outros caminhos não é possível que ele faça escolhas. Ser ver possibilidades é impossível ser feliz com as frustrações, pois estas não tem conotação de aprendizado, mas apenas de castigo e assim segue engessado, rígido diante da insegurança de ser ou não tão especial como cresceu ouvindo ser.

O maior desafio de Carlos nessa fase é o de se conhecer. Conhecer sua história em busca de sua liberdade, felicidade e de ser saudável, superando seus conflitos e agindo de maneira madura diante do Bicho – Papão, mundo.